Os doces conventuais são os doces mais típicos e característicos da culinária Portuguesa. Não há doçaria no mundo que utilize a quantidade abismal de gemas de ovos e açúcar que utilizamos na doçaria conventual. Inicialmente pode-se estranhar mas depois não se quer outra coisa.
O doce conventual Português mais conhecido no mundo é o pastel de nata, mas há dezenas (centenas até) de doces conventuais, e cada convento tinha a sua especialidade. Vamos então entrar no mundo mágico da doçaria conventual, perceber o que são doces conventuais, o porquê da sua existência e uma lista dos melhores e mais frequentemente apreciados em Portugal.
O que são doces Conventuais Portugueses
Doces conventuais são doces confecionados em conventos por freiras ou frades e caracterizam-se por serem compostos por grandes quantidades de açúcar e gemas de ovos, mas frequentemente também amêndoa. Basicamente é uma grande parte dos doces típicos portugueses.
No passado os doces eram maioritariamente confeccionados nos conventos e mosteiros, e isso vai desde de doces, a compotas e até licores. O que era uma característica por toda a Europa, mas o que diferencia os doces conventuais de Portugal do resto do mundo é o facto de se utilizar quase exclusivamente gemas de ovos, muito açúcar e pouca farinha. O que torna o doce conventual português único e muito rico.
História dos doces Conventuais
Os doces conventuais começaram a ter notoriedade a partir do séc. XV, altura em que se começou a usar cana de açúcar proveniente das colónias, Brasil e Madeira. Além do acesso ao açúcar, Portugal era também dos maiores produtores de ovos da Europa no século XVIII e XIX. As claras eram exportadas, usadas como purificador na produção de vinho branco e para engomar os fatos dos homem mais ricos e os hábitos das freiras. Havendo assim um excedente de gemas, os conventos começaram a utilizar os ingredientes disponíveis para produzir doces. Esses doces eram utilizados para celebrar as festas religiosas, e vendidos a particulares.
Também tem que se ter em conta que nesta altura o ingresso numa ordem religiosa não era meramente por motivos religiosos. Muitas filhas de nobres optavam por uma vida eclesiástica por pressões familiares, estratégias patrimoniais, e quando não era possível um casamento apropriado. Geralmente as nobres vinham acompanhados por criadas que auxiliavam na preparação de comida. O que implicava que muitas vezes os conventos eram também um local de educação e refúgio.
Assim sendo as freiras tinham o tempo, os ingredientes e ajuda para inventarem doces. Cada convento foi desenvolvendo o seu doce conventual. E com a abertura de novos conventos algumas receitas eram partilhados (outras eram mantidas em segredo), que eram depois adaptadas e tinham o cunho pessoal de cada um/uma. Isto levou à a criação de dezenas de receitas, ou variação das mesmas. É habitual haverem diversas receitas para o mesmo doce, ou para doces muito semelhantes.
Além disso as visitas aos conventos faziam parte da etiqueta social, por isso eram necessários doces para oferecer ao convidados. Os conventos da Ordem de Santa Clara (as Clarissas), e as Carmelitas produziam os doces conventuais mais conhecidos, e eram os que tinham maior reputação.
Em 1834, na sequência da revolução e guerras Liberais foi decretada a extinção das ordens religiosas. Os conventos femininos mantiveram-se em funcionamento até que morresse a ultima freira, não sendo permitido a entrada de noviças. Os conventos começaram a vender os doces conventuais a particulares. Houveram ainda algumas famílias que acolheram freiras e com o tempo as receitas foram passados a estas famílias de acolhimento ou vendidas a pastelarias. No entanto, muitas receitas de doces conventuais foram perdidas ou até queimados.
Hoje em dia são um segredo bem guardado das pastelarias de referência.
Melhores doces Conventuais
Esta lista foi extremamente difícil criar, há dezenas de doces conventuais, espalhadas pelo país, várias versões do doce conventual, ou até doces com mesmo nome mas não parecem de todo serem o mesmo. Cada convento tinha as suas especialidades, que eram um tesouro bem guardado. No entanto por vezes conseguia-se confiscar a receita para outro convento.
Infelizmente sabe-se que muitas receitas se foram perdendo ao longo dos tempos. O secretismo e medo de roubo fazia com que algumas receitas não fossem sequer escritas, eram só transmitidas oralmente e com o fecho das ordem religiosas grande parte das receitas desapareceram. Esta é uma grande perda para cozinha portuguesa.
Tentamos compilar uma lista dos doces conventuais mais conhecidas e populares, bem como os doces que se conhece o convento de origem. Não é uma tarefa fácil e muitos doces merecedores não foram mencionados, talvez no futuro acrescentaremos mais alguns.
Pasteis de Belém
Os pasteis de Belém são os doces Conventuais mais conhecidos em Portugal e no estrangeiro. Criados no Mosteiro dos Jerónimos, e posteriormente com dissolução das ordens religiosas, começou-se a vender os pasteis fora do Mosteiro. Ficando conhecidos como Pasteis de Belém.
Em 1837, a produção dos pasteis começa a ser confeccionada na Antiga Pastelaria de Belém, junto ao mosteiro, sendo utilizada a receita original que foi transmitida entre os chefes pasteleiros até ao dia de hoje.
Os pasteis de Belém são feitos com massa folhada estaladiça recheados com creme de ovos e depois assado no forno. Mas os pormenores da receita original são um segredo guardado a 7 chaves.
Pudim Abade de Priscos
O pudim Abade de Priscos é uma sobremesa típica portuguesa que foi criada pelo Abade Manuel Joaquim Rebelo, que servia na paróquia de Priscos (perto de Braga) no século XIX. Não é um doce criado no convento mas por um homem do clero, que por sinal era um cozinheiro excepcional.
Este doce é um pudim feito com bastantes ovos e um ingrediente especial, banha de porco, o que torna o pudim muito sedoso e doce, derretendo na boca ao comer. É absolutamente divinal e não se preocupe que a banha do porco pois é imperceptível.
Pasteis de Tentúgal
O Pastel de Tentúgal é um doce conventual criado no Convento de Nossa Senhora do Carmo em Tentúgal, perto de Coimbra, pelas freiras Carmelitas. É um dos doces conventuais mais conhecidos em Portugal.
O pastel de Tentúgal é um pastel crocante, feito com massa filo e recheado com creme de ovo. É simplesmente divinal, o suave creme de ovos contrasta com a textura crocante da massa filo.
Pasteis de Santa Clara do Convento de Coimbra
Os Pasteis de Santa Clara foram criados no convento de Santa Clara em Coimbra. São pasteis de massa terna em forma de meia lua recheadas com doce de ovos e amêndoa ralada. Os doces de Santa Clara eram vendidos na roda da portaria do Mosteiro durante o dia de feira das Festas da Rainha Santa. Posteriormente começaram a ser vendidos aos universitários e depois a toda a gente.
Além destes pasteis o Convento de Santa Clara em Coimbra produziam muitos doces conventuais bastante conhecidos como a lampreia de ovos, ou o pudim das Clarissas.
É de notar que haviam vários conventos da Santa Clara em Portugal que também fabricaram doces muito conhecidos como pastéis de Santa Clara de Vila do Conde, o Convento de Santa Clara em Portalegre, Guimarães e outros.
Pasteis de Lorvão
Os pastéis de Lorvão são um doce conventual do Mosteiro de Santa Maria do Lorvão no concelho de Penacova. As freiras e os monges ofereciam os pasteis aos hóspedes e aos visitantes.
É um doce denso e húmido feito com miolo de amêndoa, gemas e claras. Incrivelmente saboroso. Assemelha-se em aspeto às queijadas. Diz-se que quando o Duque de Wellington pernoitou no Mosteiro, aquando das Invasões Francesas, adorou o pastel de Lorvão.
Barrigas de Freira de Arouca
As Barrigas de Freira de Arouca foram criadas no convento de Mafalda em Arouca, actualmente extinto, pelas Freiras Bernardas. É um doce feito com ovos, açúcar, amêndoas e pão, e que se come à colher.
Há outra versão das Barrigas de Freira em Coimbra, que são completamente diferentes. São pastéis em forma e meia lua feitas de farinha e recheadas com gemas e ovos e amêndoa.
No entanto, há muitas versões de Barrigas de Freira provenientes de diferentes conventos espalhados pelo país.
Toucinho do céu
Pensa-se que este doce Conventual tem origem no Mosteiro São bento em Murça, Trás-os-Montes, pelas freiras Beneditinas. É um bolo feito a partir de calda de açúcar, a qual se acrescente-se doce de Gila, amêndoa ralada e bastantes gemas e farinha. O bolo tem a forma rectangular e é polvilhada com açúcar em pó. O nome do doce advém do facto de que originalmente utilizava-se banha de porco para o confeccionar.
O Toucinho do céu é um doce conventual também tradicional no Alentejo, e Guimarães. Pensa-se que a receita foi partilhada com o Convento de Santa Mônica em Évora, como acontecia muito nesta época. Quer seja de Murça, Guimarães ou Évora, esse doce marece ser degustado.
Papos de Anjo
Papos de Anjo é doce conventual muito conhecido e apreciado em Portugal mas não se sabe a origem dele. É um doce feito com gemas de ovos e açúcar batido e depois cozinhado no forno, no fim coze-se os papos de anjo numa calda de açúcar.
Há também outras versões deste doce, nomeadamente os Papos de anjo em forma de meia lua em hóstia recheadas com doce de ovos.
Ovos Moles de Aveiro
Ovos Moles é um doce conventual tradicional de Aveiro cuja origem remonta vários conventos de Aveiro, da ordem das Carmelitas, das Franciscanas e Dominicanas do Mosteiro de Jesus de Aveiro. Com a extinção das ordens a receita manteve-se através de senhoras que haviam sido educadas em conventos, sendo a receita passada pelas gerações seguintes.
É um doce conventual extremamente simples mas é divinal, consistem em apenas gemas de ovos e açúcar, que são envolvidas em hóstias ou colocadas barricas de madeira ou de porcelana e comidas a colher.
Clarinhas de Fão
As Clarinhas de Fão são um doce conventual que têm origem no Convento do Menino Jesus de Barcelos. Em 1830 começaram a serem fabricados na Confeitaria Salvação em Barcelos. Consta-se que a receita foi roubada por um residente de Fão, Esposende, que começou a confeccionar e a comercializar tornando-se populares em Fão.
Estes doces são feitos com uma massa fina em forma de meia-lua e recheados com abóbora chila envolvidos com gemas e açúcar e no final são fritos.
Brisas do Lis
As Brisas do Lis ou Liz são um doce conventual que pensa-se ter surgido no Convento de Santa Ana da ordem das Dominicanas no século XVIII. Diz-se que a receita foi passada a uma devota que frequentava o convento. Também há outra versão que o doce terá surgido de uma parceria de duas amigas D. Maria do Céu Lopes e Georgina Santos que abriam o café Colonial que comercializava as Brisas do Lis, inicialmente eram chamadas beijinhos do Liz.
As Brisas do Liz são feitas com ovos, açúcar e amêndoa que são cozidos a banho maria, têm consistência semelhante aos pudins. Têm muitas semelhanças com o quindim do Brasil, e há até quem diga que a Brisa do Liz deu origem ao Quindim.
Dom Rodrigo
Dom Rodrigo é um doce conventual tradicional de Lagos, Algarve. Tem origem no Convento Nossa Senhora da Carmo, e foi criado para homenagear o capitão general do Algarve, D. Rodrigo de Menezes, daí o seu nome.
O doce conventual é feito com fios de ovos, miolo de amêndoa, açúcar e gemas, e é apresentado de 3 formas, envolvido em papel metalizado (mais frequente), em forma de rebuçados, ou numa taça de vidro e é comido com colher.
Há doces conventuais muito conhecidos, mas das quais não se consegue perceber a origem, como o Pão de ló que é tradicional de Ovar mas não se sabe o convento de origem, apenas que várias famílias de Ovar se dedicavam à confeção do doce regional. Apenas incluímos aqui os doces que se suspeita qual o convento ou mosteiro de onde originaram.
Curiosos nomes dos Doces Conventuais
Já se devem ter apercebido que alguns dos nomes dos doces conventuais são no mínimo caricatos, sendo normalmente ligados à religião (o que é natural) mas outros são no mínimo provocadores.
Assim, temos os nomes de doces conventuais que tinham a ver com o quotidiano das freiras e com referências religiosas como “queijinho do céu”, “fatias de Santa Clara”, “bolo do paraíso”, “manjar celeste”, “Toucinho do céu”, ou os “papos de anjo”.
Enquanto que outros doces têm nomes bem mais mais provocadores como as “barriguinhas das freiras”, as “maminhas da noviça”, “beijos da freira”, “bolas de sacristão”, “gargantas de freiras”. Não há referência muitas referencias às origens destes nomes, não se sabendo se estes foram dados à posterior ou como começaram a ser utilizados… mas que são bem curiosos e caricatos, lá isso são!
Onde comer Doces Conventuais
Cada terra em Portugal tem os seus Doces Conventuais típicos e característicos. Normalmente encontra-se estes doces conventuais típicos em padarias e pastelarias da localidades. Podendo haver uma pastelaria que seja de referência. No entanto há cidades em Portugal que são referências em termos de doçaria conventuais, como Coimbra, Aveiro e Alcobaça.
Além disso todos os anos é feita uma Mostra de Doces & Licores Conventuais no Mosteiro de Alcobaça, geralmente no mês de Novembro, onde há exemplares de doces conventuais de cada região e é feito um concurso de melhor doce conventual do país. Pode se dizer que Alcobaça é o paraíso dos doces Conventuais. Se não tiver a oportunidade de ir à feira, a pastelaria Alcoa em frente ao mosteiro tem à venda todo o ano os doces conventuais que venceram o concurso desse anos, e são divinais. Caso não vá a Alcobaça, há também uma pastelaria Alcoa em Lisboa.
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