A ponte da Misarela, também conhecida como Ponte do Diabo ou do Inferno (em baixo explicamos porquê), é um dos monumentos mais interessantes da região Norte de Portugal. Seja pelas lendas, pela sua importância histórica ou pela beleza paisagística onde se enquadra.
A ponte da Misarela é uma ponte de cavalete sobre um arco ligeiramente apontado com uma altura de 13 metros. Esta é originalmente uma ponte medieval, que foi reconstruída no inicio do século XIX (antes das Invasões Francesas) e que deu origem a duas famosas lendas populares e rituais antigos. É imóvel de interesse público desde 1957 e neste artigo vamos explorar tudo isso, bem como as melhores formas de lá ir.
Onde fica a Ponte da Misarela?
A Ponte de Misarela está localizada sobre o rio Rabagão, a menos de 1 km da sua foz no rio Cávado. Esta ponte liga o Minho a Trás-os-Montes, Vieira do Minho a Montalegre, nas freguesias de Ruivães e Ferral, respectivamente. Apesar de muitas vezes ser indicada como uma das grandes atracções do Gerês, fica ainda fora do Parque nacional, mas a menos de 1 km da fronteira. A ponte foi construída e reconstruida no fundo de um desfiladeiro escarpado, assente sobre enormes penedos e a uma altura considerável. Está numa área densamente florestada.
Junto à ponte encontramos também uma pequena queda de água de cerca de 5 metros, que no Inverno se torna bastante imponente devido ao forte caudal do Rabagão. Enquanto que no Verão tem muito pouca água, formando poças e piscinas naturais óptimas para uma pessoa se refrescar.
Como visitar a Ponte da Misarela?
A única forma que conhecemos para ir à Ponte da Misarela será de carro até um dos parques de estacionamento e depois uma caminhada de alguns minutos. Não é possível ir de carro directamente até à ponte. Não conhecemos transportes públicos que passem perto da ponte da Misarela.
Há duas forma de chegar à Ponte, ambas implicam uma caminhada de 15 a 20 minutos. A primeira, e talvez a mais popular é por Sidrós, freguesia de Ferral no concelho de Montalegre, a segunda é por Ruivães, concelho de Vieira do Minho. A maioria das pessoas virá do Porto ou de Braga por isso vamos explicar como lá chegar a partir destas cidades.
Acesso à Ponte da Misarela por Ruivães
Começando no Porto temos de apanhar a A3 para Braga e depois sair na N103 em direcção a Chaves. Esta é a estrada que vai para o Gerês pelo que é muito provável que já a conheça e está bem sinalizada. No entanto, não vamos sair para o Gerês, vamos continuar para Salamonde e depois para Ruivães. Em Ruivães saímos para a CM 1397, em direcção ao rio Cávado. No entanto, algumas centenas de metros antes de chegarmos ao rio, aparece uma indicação de parque do lado esquerdo e um sinalética do lado direito.
Temos então de estacionar, pois este é o inicio do caminho pedonal até à ponte da Misarela. Este percurso terá pouco mais de 1 km, e leva-nos directamente à ponte. Não existem muitas formas de se perder pois não há grandes alternativas. É um antigo caminho medieval, ao longo das escarpas do rio, com uma beleza inigualável. Além do mais como é relativamente plano, é muito fácil de fazem em família e com crianças.
Acesso à Ponte da Misarela por Sidrós, Ferral
Para ir à Ponte da Misarela por Sidrós, basicamente temos de fazer uma parte do trilho PR5 – trilho da Misarela, entre Cávado e Rabagão. O inicio do trilho é muito fácil de identificar pois fica junto ao Hotel da Misarela e ao campo de jogos da aldeia. Tanto um como outro estão bem identificados pelo que não tem como enganar.
Vindo de Porto ou Braga, o percurso é exactamente o mesmo ao que referimos anteriormente, ou seja, apanhamos a N103 até Ruivães, e lá viramos para a CM1397 em direcção ao rio Cávado, mas agora continuamos mesmo até ao rio, atravessamos a ponte. Depois chegamos à CM1021 e viramos à direita e continuamos durante cerca de um 1km até voltarmos a atravessar o Cávado e começar a subir. Rapidamente entramos numa Aldeia, e chegamos a Sidrós. É só estar atento pois vai aparecer indicação de Parque. Aí vai também ver sinalização para hotel da Misarela do lado direito, e o parque de jogos do lado esquerdo.
Agora é uma questão de estacionar. Na zona do parque tem um painel informativo sobre o trilho da Misarela. Tal como dissemos para ir à ponte a partir daqui é necessário fazer uma pequena parte do trilho. Veja aqui toda a informação sobre o trilho.
Este percurso até à ponte é igualmente bonito, mas é um pouco mais difícil. Sobretudo porque é bem mais inclinado. Até chegar à ponte é quase sempre a descer, o que significar que para voltar é sempre a subir. Não é muito longe, e está bem indicado, mas é um pouco mais difícil, especialmente se houver pessoas com menor mobilidade.
As Lendas da Ponte da Misarela
A ponte da Misarela é realmente um local lendário, pois carrega consigo não apenas uma, mas duas lendas! A primeira e talvez a mais conhecida justifica a razão pela qual também é conhecida como a ponte do Diabo ou por vezes ponte do Inferno.
Lenda da Ponte do Diabo
Reza a lenda que certo dia um homem fugia desalmadamente por esta região (umas vezes é um fidalgo, outras vezes um foragido da lei). Assustado, mete-se pelos caminhos da densa floresta até que chegou às escarpas do rio. Ao ver que não tinha forma de atravessar o rio, e com medo de ser apanhado pelos perseguidores, decide evocar o diabo, pedindo-lhe ajuda para atravessar a ponte, oferecendo a sua alma em contrapartida.
Nesse momento o diabo surge, aceita a proposta e faz uma ponte para o homem atravessar. Após atravessar a ponte, o diabo ajuda-o a fugir fazendo desaparecer a ponte e sumindo também de seguida.
Muitos anos depois, e quando o mesmo homem estava às portas da morte, Satanás volta a aparecer vindo agora cobrar a dívida. Assustado, agora arrependido (claro), e querendo quebrar o pacto com o diabo, o senhor chama o padre conta-lhe o sucedido e pede-lhe para o absolver dos seus pecados. O padre decide ajuda-lo e sai em direcção ao local onde decorreu o pacto.
Movido pela fé, o sacerdote disfarça-se de camponês e dirige-se ao local onde tinha aparecido o diabo. Quando lá chega, invoca o diabo de forma semelhante ao que tinha feito o fugitivo “Por Deus das águas puras do Rabagão ou pelo diabo das pedras negras, apareça aqui uma ponte de pedra”. Nisto aparece o Demo, que tal como anteriormente faz aparecer uma ponte.
O camponês disfarçado atravessa a ponte, e enquanto o diabo esfrega um olho, saca da água benta que tinha escondido por baixo da sua capa e lança-a em direcção ao anjo mau enquanto grita um exorcismo! O Diabo assustado desaparece entre estrondos e fumos, deixando para trás, intacta a ponte que viria a ser conhecida como a Ponte do Diabo ou Ponte da Misarela.
Assim, esta é literalmente a Ponte do Diabo, pois terá sido construída pelo Demo em pessoa!
Ritual da maternidade na Misarela
Talvez ainda mais fascinante do que a lenda do diabo é o quase extinto ritual de baptismos na Ponte da Misarela. Devido à sua localização, e ao sua aura mítica a ponte ganhou também poderes mágicos.
Assim, quando uma mulher não conseguir manter uma gravidez ou tiver medo de abortar deve dirigir-se à ponte ao final do dia (acompanhada do marido ou familiares) e aguardar que passe a primeira pessoa. Esse viajante será convidado a celebrar o baptismo da futura criança. A cerimónia de baptismo deve ser feita na hora, in ventris e utilizando água pura do rio Rabagão. Diz-se que nunca ninguém recusou fazê-lo, pois é considerado um dever moral e uma grande honra.
A cerimónia consiste em recolher água do Rio Rabagão num pequeno púcaro e verte-lo sobre a barriga da mulher enquanto se diz a seguinte lengalenga:
“Eu te baptizo, criatura de Deus, pelo poder de Deus e da Virgem Maria, se fores rapaz serás Gervaz (Gervásio), se fores rapariga, serás Senhorinha.”
Pode ser necessário repetir a ida à ponte até que se encontre um viajante para fazer a cerimónia. Diz-se que ainda hoje existem alguns Gervásio e Senhorinha na região, e que isso é a prova da existência desta curiosa crença popular.
Ponte da Misarela e invasões francesas
Para finalizar temos de referir que não é só de crenças e lendas popular que vive a ponte da Misarela. De facto, além da sua beleza extraordinária, da lenda do diabo, e da crença e ritual do baptismo, a Ponte da Misarela foi também o palco de uma sangrenta batalha durante as invasões francesas.
Em 1809 o exército francês liderado pelo general Soult que estava no Porto decidiu bater em retirada para Espanha pois estava eminente um forte ataque das tropas luso-britânicas. De forma, a evitar combates, o exército evitou as estradas principais e fugiu pela Serra da Cabreira.
No dia 15 de Maio chegam a Salamonde e são interceptados na Ponte da Misarela. Ali, num local estreito e de onde não pode fugir deu-se uma autêntica carnificina. O exército francês não tinha espaço para manobrar, e em desespero atropelavam-se, empurravam-se, lançavam fora as armas e fugiam (ou tentavam). O número de mortes do lado francês terá sido muito alto, e em consequência surgiu uma conhecida canção popular:
“Chorai meninas de França,
Chorai por vossos maridos,
Na ponte da Misarela
eram mais mortos que vivos!”
Estas são as lendas, ritos, as crenças populares e a História da Ponte da Misarela. Uma visita à ponte e a toda a área envolvente revela que este é de facto, um local místico e mágico. Por isso, se explica ser a origem de tantas histórias, mitos e curiosidades.
Pin